A Inclusão Educacional Ainda Está Fora de Lugar

Decreto 10502 – Colocando a carroça na frente dos bois

“Democracia é proporcionar acesso a todos de forma igual e constante.”

(Jorge Luciano)

 

Neste último dia 30 de setembro, foi publicado o DECRETO Nº 10.502, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida.

Após ler o referido Decreto e diversos textos com opiniões tanto a favor como contra o referido documento, permita-me fazer alguns comentários.

Primeiramente, existem dois ditados populares que são aplicáveis a esta situação:

“Como você pode dizer que não gosta se nunca provou” e

“Você está colocando a carroça na frente dos bois”

O primeiro, deve-se ao fato de que a maioria da população desconhece o que é “viver em um universo sobre o estigma da deficiência, dos transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.” E nesta maioria, inclui-se a classe política e os responsáveis pelo desenvolvimento e estruturação das políticas nacionais de educação.

A falta de informação sobre o tema é comum e generalizada, inclusive entre os próprios envolvidos diretamente como usuários e beneficiários desta mesma política nacional de educação especial, seja o próprio indivíduo, sua família ou o grupo social no qual está inserido. Como esperar que a família faça uma escolha de forma acertada se mesmo ela não conhece e entende o alcance desta decisão?

Com relação ao segundo, há de se ressaltar que, no âmbito da educação especial, mais uma vez a política nacional de educação especial, promove uma “linha de ação” para a educação, sem no entanto, capacitar antecipadamente os principais atores da ação, ou seja, os professores e demais envolvidos na administração e aplicação do ensino.

É o mesmo que ficar discutindo o “sexo dos anjos”, visto que de pouco adianta criar uma definição como no CAPÍTULO V, Art. 7º, incisos VI, VII, VIII, XI e XII, por exemplo, se não existem profissionais previamente capacitados para promover o ensino e o atendimento ao surdo nestes estabelecimentos e tão pouco, incentivo para a produção de conteúdo e materiais apropriados para atender a esta demanda.

Sabendo que socialmente, a inclusão representa um ato de igualdade entre os diferentes indivíduos que habitam determinada sociedade, como promover esta igualdade de direitos sem as ferramentas necessárias estarem previamente disponíveis. Para os dito “alunos normais” existe uma gama de recursos e capacitações profissionais que proporcionam condições de aprendizado. Recursos estes, construídos e atualizados frequentemente ao longo dos anos, enquanto para os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o processo de construção de recursos, capacitações e atualização é mínimo ou inexistente.

É fundamental admitirmos que a educação nacional, mesmo a direcionada para a educação especial, é desenvolvida sobre os alicerces da cultura ouvinte e é preciso lembrar que alicerces são criados para não serem movidos, ou seja, a maioria das iniciativas não passam de meros ajustes ou maquiagens. Sendo assim, a educação inclusiva enquanto inclusão social deveria ser uma política para lidar com as diferenças e distribuir os poderes dentro de uma sociedade, significando a tentativa de corrigir a exclusão dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação dos direitos sociais mais básicos.

Em nosso país, os tipos de inclusão social na escola e na universidade se dão prioritariamente através da Base Nacional Comum Curricular, das cotas raciais e das cotas sociais, como uma forma de equilibrar uma balança com lados muito desiguais, em uma tentativa ineficaz de forçadamente tornar igual o diferente ao invés de aceitar o diferente absorvendo e respeitando suas diferenças.

Embora esta política nacional busque viabilizar a democratização de diversos espaços e serviços para aqueles que não possuem acesso a eles, acaba por promover uma espécie de segregação social, dificultando ainda mais o processo de universalização da educação.

A educação não pode ser vista apenas como um Direito, ela é e deve ser vista como uma Obrigação, tanto do Estado quanto do cidadão, visto que sem Educação o indivíduo é automaticamente marginalizado, ficando sem acesso à maioria dos Direitos e Deveres que possui enquanto ser humano e cidadão. Ela deveria ser baseada em princípios orientados para a aceitação das diferenças individuais, para a aprendizagem através da cooperação, para a valorização da contribuição de cada pessoa e à convivência harmoniosa entre diferentes. Primordialmente, deveria ser eficaz para todos, satisfazendo as necessidades de todos, tanto alunos quanto professores, passando ainda pela comunidade, sejam quais forem as suas características pessoais, psicológicas ou sociais, independentemente de ter ou não deficiência.

A política de educação nacional deveria favorecer cada um, de forma a colaborar com a erradicação da desigualdade e injustiça social. Contudo, ao contrário, está promovendo e criando bases para aumentar o afastamento e propiciando a segregação ao permitir o processo de dissociação mediante o qual indivíduos, neste caso professores e alunos, percam o contato físico e social, baseando esta distância social e física em fatores biológicos e sociais.

Ao buscar implementar uma democracia educacional, permitindo à sociedade a possibilidade de gerir determinados aspectos da educação, o ente público se isenta da responsabilidade de propiciar um acesso amplo e irrestrito à educação passando a, convenientemente, “lavar as mãos” com referência à responsabilidade sobre os resultados e consequências da Política Nacional de Educação Especial por ele instituída e implementada.

Aqui, ao que parece, se confunde Democracia Educacional com Gestão Escolar Democrática, sendo que esta última é regida por princípios estabelecidos em nossa Carta Magna. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu princípios para a educação brasileira, dentre eles: obrigatoriedade, gratuidade, liberdade, igualdade e gestão democrática, sendo esses regulamentados através de leis complementares.

Em resumo, esta nova política nacional de educação está longe de ser perfeita e muito menos desejável para a sociedade em geral, para os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação e seus familiares. Sem regras claras e permitindo uma autonomia sem bases orientadoras pré-existentes, além de alicerçada sobre uma cultura educacional que não contempla o diferente, fica claro que mais uma vez perde-se a oportunidade de construir as bases para um processo educacional efetivamente inclusivo. Infelizmente.

Comentário Final:

A reflexão sobre o Decreto nº 10.502 e suas implicações na educação especial nos leva a pensar sobre os verdadeiros desafios da inclusão social. Assim como discutido em [Afinal o que é ser Líder], onde a capacidade de liderança é essencial para promover mudanças significativas, é necessário que os profissionais da educação sejam devidamente capacitados para efetivar uma inclusão real. Além disso, a educação deve ser um instrumento de transformação social, como abordado em [Felicidade Insatisfeita], onde se reflete sobre a busca constante por melhorias. No entanto, como o artigo ressalta, a falta de uma estrutura adequada para atender aos alunos com deficiência reflete as limitações de um sistema que ainda precisa evoluir. Isso se conecta também com a reflexão sobre a educação e o controle social em [Educação, controle social?], que questiona o impacto das políticas educacionais na sociedade como um todo.

Convite:

Se você se interessa por questões como a educação inclusiva e a busca por um sistema mais justo e eficiente, convido você a conhecer meus livros, onde compartilho mais reflexões sobre como podemos construir uma sociedade mais equitativa e respeitosa com as diferenças.

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A Essência Por Trás das Minhas Palavras

Reflexão crítica sobre a implementação de políticas sem estrutura prévia
Quando escrevi sobre a implementação do Decreto nº 10.502 e suas implicações na Política Nacional de Educação Especial, a minha principal preocupação foi justamente questionar a eficácia da proposta. Na minha análise, a política de inclusão surge de forma desconectada, sem garantir a preparação necessária para os principais agentes envolvidos, como professores e outros profissionais da educação. Muitas vezes, as discussões sobre políticas públicas se limitam a aspectos gerais e não consideram a falta de uma infraestrutura básica, como a capacitação e o apoio adequados. Eu quis destacar essa falha, pois acredito que qualquer reforma educacional só pode ter sucesso se houver uma preparação sólida por trás da execução das novas medidas.

Alusão à “carroça na frente dos bois”
Usei a metáfora da “carroça na frente dos bois” para ilustrar a falta de planejamento e a pressa em implementar a política sem considerar as condições necessárias para sua efetiva execução. A ideia que tentei transmitir é que as ações foram postas em prática sem que houvesse a capacitação dos educadores e a criação dos recursos essenciais para que a inclusão de fato acontecesse. Para mim, essa metáfora é uma maneira clara de mostrar como o processo de implementação está desalinhado com as necessidades reais da educação especial. A pressa em avançar sem preparar os profissionais e a infraestrutura necessária dificulta o sucesso dessa política.

A crítica à aplicação da cultura “ouvinte” na educação especial
Quando falei sobre a “cultura ouvinte” na educação, quis trazer à tona a ideia de que a base da educação no Brasil está estruturada de maneira que não leva em conta as necessidades específicas de alunos com deficiências auditivas ou outras condições. Ao afirmar que a educação brasileira é construída sobre esses “alicerces”, busquei mostrar que a exclusão dessas pessoas não se trata apenas de uma falha de política pública, mas de um reflexo profundo de uma estrutura educacional que não se adapta às diferenças. Essa crítica tem a intenção de refletir sobre como as bases culturais e as práticas pedagógicas precisam ser revistas para garantir uma inclusão real.

A comparação com outras formas de inclusão
Na minha análise, fiz uma comparação entre as formas de inclusão aplicadas aos alunos com deficiência e as políticas de cotas raciais e sociais. Ao trazer esse paralelo, meu objetivo foi destacar uma possível incoerência nas abordagens de inclusão no Brasil. O que percebo é que, ao forçar uma igualdade, às vezes estamos homogeneizando diferenças que, na realidade, exigem adaptações específicas. Isso pode acabar criando novas formas de segregação, em vez de promover uma verdadeira inclusão. Achei importante fazer esse paralelo para questionar as formas como as políticas públicas lidam com as diversidades de maneira mais geral, sem necessariamente contemplar as particularidades de cada grupo.

A crítica ao conceito de “Democracia Educacional”
Quando critiquei o conceito de “Democracia Educacional”, meu intuito foi destacar um equívoco comum na interpretação do que significa gestão educacional democrática. Para mim, esse conceito é muitas vezes entendido de forma superficial, com o Estado se eximindo de suas responsabilidades diretas. A minha reflexão sobre isso é que a “Democracia Educacional” muitas vezes se torna uma falácia, onde se fala em inclusão e gestão democrática, mas sem as condições práticas que possibilitem a verdadeira participação e inclusão de todos. A ideia de que a gestão escolar democrática é a única resposta para a inclusão é uma visão simplista que não leva em conta as complexidades do processo educacional.

Conclusão sobre a oportunidade perdida
No final do texto, minha intenção foi deixar uma reflexão sobre a “oportunidade perdida” pelo Decreto nº 10.502. Com isso, busquei expressar uma crítica fundamentada sobre as falhas da política, que não foi capaz de criar uma verdadeira base inclusiva. A conclusão não é pessimista por si só, mas sim uma análise crítica do que poderia ter sido feito para evitar esses erros e avançar para um sistema educacional verdadeiramente inclusivo. Meu objetivo era fazer o leitor pensar sobre o que não foi feito, a fim de que possamos aprender com essas falhas e seguir em frente com uma abordagem mais efetiva e realmente inclusiva.

Essas ideias, quando expostas de forma detalhada, buscam ir além das análises superficiais sobre a política de inclusão, apontando falhas estruturais e culturais que, na minha visão, precisam ser corrigidas para que a inclusão na educação se torne um processo genuíno e eficaz.